Sobre a Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos
Agapito Ribeiro Jr
Maio - 2004
"No final dos anos 70 e início dos 80, a abertura
política decorrente do final do regime militar coincidiu com a intensa
mobilização dos educadores para buscar uma educação crítica a serviço das
transformações sociais, econômicas e políticas, tendo em vista a superação
das desigualdades existentes no interior da sociedade. Ao lado das denominadas
teorias crítico-reprodutivistas, firma-se no meio educacional a presença da pedagogia
libertadora e da pedagogia crítico-social dos conteúdos, assumida
por educadores de orientação marxista"
Parâmetros Curriculares Nacionais - Introdução, p. 41.
Uma Pedagogia Progressista
Segundo José Carlos LIBÂNEO (2002: 32) o termo progressista
é usado para designar as tendências pedagógicas que partem de uma análise
crítica das realidades sociais e sustentam implicitamente as finalidades
sociopolíticas da educação. "Evidentemente a pedagogia progressista mão
tem como institucionalizar-se numa sociedade capitalista; daí ser ela um
instrumento de luta dos professores ao lado de outras práticas sociais"
(idem).
No caso específico da Pedagogia Crítico-Social dos
Conteúdos ou Pedagogia dos Conteúdos, entende-se que a difusão de conteúdos
é tarefa primordial desde que não abstratos, sendo vivos, concretos e
indissociáveis das realidades sociais (LIBÂNEO: 2002: 39). A escola como parte
integrante da sociedade, deve agir com o intuito de transformação desta mesma
sociedade e não como adaptadora do indivíduo à sociedade ou como mera
reprodutora da ordem social instituída. Neste ponto a Pedagogia dos Conteúdos
posiciona-se antagonicamente ao crítico-reprodutivismo - que na verdade era
mais uma concepção do que uma pedagogia - e às Pedagogias Liberais que
buscam, antes de tudo, preparar cidadãos-profissionais num contexto de
exigências inescusáveis do mercado de trabalho.
Para o professor crítico-social não há "dom" na
educação, não se considera o aluno como "conta bancária" onde se
deposita saberes, não se atua no processo ensino-aprendizagem imaginando
ingenuamente que o que se faz é fora de uma ação política - que aliás é
sempre confundida com ação partidária. A educação não é
"salvadora", não é "redentora" e nem tampouco poderá
restringir-se à mera reprodução, mas deve buscar numa síntese superadora de
tendências pedagógicas liberais e progressistas, o "papel transformador
da escola, mas a partir de condições existentes" (idem). Ainda conforme
LIBÂNEO, a atuação da escola consiste na preparação do aluno para o mundo
adulto e suas contradições, fornecendo-lhe um instrumental, por meio da
aquisição de conteúdos e da socialização, para uma participação
organizada e ativa na democratização da sociedade.
Dualismo Pedagógico
Há diversas discussões entre educadores e pensadores sobre
os acertos ou erros de uma pedagogia ser diretiva ou não-diretiva. O
senso-comum pedagógico associa a diretividade ao professor autoritário e dono
do saber, enquanto que também no senso-comum pedagógico a concepção da
não-diretividade como laissez faire. Mas o que se observa não é tanto
um combate ideológico entre as diversas tendências pedagógicas ou entre a
Pedagogia Liberal e a Pedagogia Progressista. O problema da educação passa
pela não-pedagogia, pelo senso-comum pedagógico que assume um caráter
eclético e ingênuo, vivendo-se no saber espontâneo uma vez que o que se busca
para o aluno é o acesso dele ao saber elaborado, à atitude crítica diante de
sua própria vida. Homens como Jean Piaget, Jung, Carl Rogers, podiam imaginar
que a educação deveria enfatizar menos os conteúdos do que a formação
humana, mas a Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos vem afirmar que a
condição humana do aluno brasileiro, principalmente o pobre, não poderá ser
alcançada se ele sair da escola sem os instrumentos para a construção de sua
própria cidadania e mesmo de uma nação melhor e sem injustiça social. Não
se pode confundir a ação educacional com ação psicológica-ocupacional,
embora uma não deva desconsiderar a outra. É antagônico que em nosso país se
possa buscar pedagogias do não-conteúdo para as séries anteriores ao Ensino
Médio para depois render-se ao conteudismo dos pré-vestibulares. O
objetivo da educação, numa Pedagogia Crítico-Social, não pode ser só o
mercado de trabalho ou o curso universitário, pois que o ser humano que está
diante de um professor será um pai, uma mãe, um profissional, um empresário,
ou um desempregado, um marginalizado, um assassino. Um estudo intensivo pode
colocar uma pessoa numa Universidade, mas não pode lhe conceder os instrumentos
que lhe tornem cidadã, além de que a grande maioria dos alunos pobres neste
país não terão acesso à Universidade por não poderem pagar cursos
intensivos.
O dualismo pedagógico vai mais longe quando se vê que a
escola brasileira tem assumido o trabalho de seleção num darwinismo social
injusto e carente de esclarecimento porque se acredita que a escola é sinônimo
de um futuro melhor, entretanto só para aqueles que possam ter acesso à
melhores escolas, aos melhores cursinhos e, quem sabe, até à possibilidade de
se ter uma fotografia estampada num outdor porque se passou em primeiro lugar
nesta ou naquela Universidade de nome. Uma Pedagogia Progressista não pode
ficar em silêncio diante do comércio de imagens que se faz com o nome de
"educação". O dualismo pedagógico favorece a escola particular e
prejudica profundamente a escola pública, e não é por menos que a Pedagogia
dos Conteúdos tem por objetivo a democratização da escola pública.
Postura Pedagógica Crítico-Social dos Conteúdos
Os conteúdos universais não podem ser apenas ensinados e
nem tampouco recriados pelo aluno; tais conteúdos devem ser ligados
indissociavelmente à sua significação humana e social. Não cabe aqui a
oposição entre cultura erudita e cultura popular, porque todo e qualquer homem
produz cultura, todo homem é culto e isto não depende de sua classe social.
Mas deve levar em conta que o aluno vem de uma experiência espontânea com o
saber, o saber espontâneo, o saber aceito sem reflexão, sem estabelecer-se uma
atitude crítica diante do que se aprende cotidianamente. Trata-se de uma
experiência imediata e desorganizada, sendo assim, o professor deve
proporcionar o acesso do aluno aos conteúdos ligando-os com a experiência
concreta deste aluno, ou seja, há a continuidade. Mas a continuidade
não significa permanência, latência, ou irreflexão. Assim, o professor
também proporcionar ao aluno os elementos de reflexão, análise crítica, que
ajudem o aluno a ultrapassar a experiência, os estereótipos, as pressões
ideológicas, ou seja, há a ruptura após tal análise.
Em termos de uma contribuição
althusseriana à Pedagogia dos Conteúdos, há um outro trabalho escrito
tratando da categoria do "corte epistemológico" que polariza, em
termos educacionais, o ideológico com o científico. O problema da ideologia é
algo complexo em termos de concepções filosóficas ou pedagógicas de esquerda
que podem ser ou não de cunho marxista. O processo de ruptura ou de corte
epistemológico estão sempre diante do conceito de ideologia e de como se
assumir uma ação pedagógica que não o ignore. Foucault dizia que a política
é a guerra continuada em outros meios e Althusser, que a Filosofia era a luta
de classes em teoria, e neste embate nestas ordens de discurso, a última coisa
para uma Pedagogia é ser conivente ou não admitir que a escola é âmbito de
conflitos conceituais, étnicos, pedagógicos, ou seja, a luta de classes ou a
disputa dos poderes perpassam as salas deste país. A assertiva recentemente
difundida pela televisão (2004 - Big Brother Brasil) na voz de Pedro Bial, felizmente
ou infelizmente não há luta de classes no Brasil, é falaciosa.
Segundo LIBÂNEO (2002: 40):
"Os métodos de uma pedagogia crítico-social dos
conteúdos não partem, então, de um saber artificial, depositado a partir de
fora, nem do saber espontâneo, mas de uma relação direta com a experiência
do aluno, confrontada com o saber trazido de fora"
Sendo assim, a ruptura só e possível com a introdução
explícita, pelo professor, dos elementos novos de análise a serem aplicados
criticamente à prática do aluno indo-se da ação à compreensão e da
compreensão à ação até a síntese. Eis aqui a dialética entre o aluno e os
conteúdos. (atenção às considerações feitas a este conceito de dialética
em nossa contribuição
a esta Pedagogia dos Conteúdos, na parte referente à Conclusão)
O que se observa aqui, e o que se tem visto como críticas à
Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos é seu caráter diretivo, embora o
aluno seja também co-participante do processo onde não pode haver transmissão
sem assimilação ativa do educando. Também se ouve críticas sobre a ênfase
do caráter transformador dos conteúdos, ou seja, atribui-se o epíteto de conteudista
a uma Pedagogia Progressista que não admite o conteudismo pré-vestibular;
tal atribuição é um contra-senso. Nas palavras de LIBÂNEO (pp. 43-44):
Haverá sempre objeções de que estas considerações
levam a posturas antidemocráticas, ao autoritarismo, à centralização no
papel do professor e à submissão do aluno. Mas o que será mais democrático:
excluir toda forma de direção, deixar tudo à livre expressão, criar um clima
amigável para alimentar boas relações, ou garantir aos alunos a aquisição
de conteúdos, a análise de modelos sociais que vão lhes fornecer instrumentos
para lutar por seus direitos?
(...) Um ponto de vista realista da relação pedagógica
não recusa a autoridade pedagógica expressa na sua função de ensinar. Mas
não se deve confundir autoridade com autoritarismo.
(...) Por fim, situar o ensino centrado no professor e o
ensino centrado no aluno em extremos opostos é quase negar a relação
pedagógica porque não há aluno, ou grupo de alunos, aprendendo sozinho, nem
um professor ensinando para as paredes. Há um confronto do aluno entre sua
cultura e herança cultural da humanidade, entre seu modo de viver e os modelos
sociais desejáveis para um projeto novo de sociedade.
E há um professor para ajudá-lo.
Qual é a escola que queremos?
Bibliografia
LIBÂNEO, José Carlos. Democratização da Escola
Pública - A Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos. São Paulo: Edições
Loyola, 2002 - 18º ed.
Texto retirado...http://agapitoribeiro.sites.uol.com.br/criticosocial.html
1 comentários:
A abordagem foi muito boa.
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